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A mais ou menos um mês do fim do Internato

Finalmente, o fim do internato. Pus-me a pensar uma vez mais no que isto significa. Anseio por este dia desde o dia em que decidi ser médica - esta altura marcaria a minha vida seguramente. Ser "médica especialista", "médica de verdade", ter "autonomia", "gerir a minha prática", ter "os meus doentes"(....).

Concluo que tudo isto é um bocadinho uma ilusão.

Ser médica especialista - ok. Verdade. Para isto preciso de acabar o internato.

Ser médica de verdade - o que é que isto é? Não fui eu já médica de verdade para muitos daqueles doentes com quem contactei ao longo do internato? Serei eu médica mais verdadeira depois de responder a umas quantas perguntas perante um júri? Serei eu mais capaz de ser médica de verdade quando o dia estiver preenchido com responsabilidades burocráticas que muito ultrapassam o conceito que as pessoas têm do que é ser "médico"?

Ter autonomia - A autonomia é ganha quando se faz o exame de 1º ano durante a especialidade. Acaba-se o curso, pratica-se medicina de forma "tutelada" durante 2 anos, e depois disso, é-se autónomo. Isto quer dizer que posso tomar decisões, e que as consequências das minhas decisões serão da minha responsabilidade. Autonomia não é ganha com a especialidade. Autonomia foi ganha já há uns anitos.

Gerir a minha prática - Felizmente, já não vivemos na época em que o médico trabalhava isoladamente. Hoje em dia, trabalha-se em equipa, e gerem-se serviços e centros de saúde em equipa, tenta-se alcançar objectivos em saúde em equipa. Isto leva a que a gestão da prática seja sobretudo uma questão de trabalho em equipa, e não tanto trabalho isolado.

Ter os "meus doentes" - Sim, está certo. Como médica de família, assino um contrato que põe aos meus cuidados 1900 utentes do serviço nacional de saúde. Contudo, será que esses utentes vão ser mais "meus" do que os actuais utentes que tenho vindo a seguir nos últimos 4 anos? Eu que já tenho saudades daqueles que sei que provavelmente não vou ver nunca mais em consulta, e eles que já me perguntam se quando regressarem em Agosto, será que ainda vou lá estar? "A Dra. já sabe para onde vai?", perguntam. Ao qual eu respondo sempre "De certeza que será para onde eu faça falta". Alguns ficam calados, outros dizem-me que eu faço falta ali onde estou. Não é difícil convencê-los que eles ficam bem entregues à minha orientadora (que é uma médica excepcional, e que os segue há bem mais tempo do que eu. Afinal, desde o início que eu sou apenas "temporária" naquele local). O difícil é convencê-los que eles não vão dar pela minha falta "A gente acostuma-se às pessoas, Dra." Invariavelmente, as despedidas que costumavam ser "Então até Agosto!" agora adoptam um tom mais saudosista "Então boa sorte, Dra. A gente vai tendo notícias pela Dra. Marta." Alguns dão abraços. Posso vir a ter outros utentes, mas estes foram, sem dúvida, os "meus" utentes nos últimos 4 anos. Acabar a especialidade apenas quer dizer que terei utentes novos. Não que terei utentes mais "meus".



Em breve serei médica especialista. Até lá, usufruo dos últimos dias em que sou apenas uma médica interna, "assistente" ou "ajudante" da Dra. Marta.

Vou ter saudades destes quatro anos.

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