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O dia a dia nos cuidados primários geriátricos nova-iorquinos

Tenho feito tanta coisa! Desde internamento, a avaliação de risco domiciliário, a cuidados primários geriátricos, a cuidados paliativos... Tem sido fantástico! E tudo isto num horário que acaba, o mais tardar, às 5 da tarde. Não me posso queixar!

Adoro os utentes americanos. Quando falam, soam tal como no Dr. House (eu não consigo deixar de imaginar o Dr. House a fazer caretas ao ouvir alguns doentes), é tão engraçado! Tal como em Portugal, há de tudo, desde o bem humorado ao rezingão. Mas todos eles a precisar de alguma atenção por parte da equipa médica/enfermagem, quanto mais não seja pelo "conforto" que é ter alguém a ouvi-los.

Tal como em Portugal, há um desgaste na equipa de profissionais, que muitas vezes se vêm incapazes de ajudar. Não nos podemos esquecer que estamos a tratar de pessoas com mais de 70 anos (o máximo que já vi foi 105, e trata-se de uma senhora lúcida que consegue andar!), e por vezes o termo "ajudar", neste contexto, torna-se complicado. Um exemplo claro disso são os inúmeros casos de demência que tenho visto - por exemplo, como vamos ajudar uma pessoa demente que se apresenta na consulta, acompanhada dos filhos, por recusa alimentar? Enfiar-lhe um tubo pelo nariz em direcção ao estômago, e começar a dar-lhe papa todos os dias? Sim, isso resolve o problema... mas... será isso legítimo, será isso... "ajudar"? Ou será antes desajudar? Se considerarmos que esta senhora,  talvez professora ou enfermeira no passado, agora incapaz de reconhecer os familiares, de ir à casa de banho ou até de comunicar, que passa agora os dias a olhar a parede branca à sua frente com ar apagado... Na total dependência de terceiros, muitas vezes pessoas estranhas contratadas por uma família demasiado ocupada para conseguir pagar os cuidados à mãe debilitada... Simplesmente para manter esta pessoa viva, isto é, coração a bater e pulmões a respirar... viva? Será viver? Será ajudar pôr-lhe um tubo que apenas lhe vai aumentar o desconforto, e dificultar-lhe a árdua tarefa que ainda tem pela frente - a de ter uma morte digna e pacífica?

Não existem respostas para estas perguntas. A ética tanto permite pôr o tubo, como não pôr o tubo. Tanto faz. Então, que fazer? Recorrer à família. Ou a algum documento assinado pela doente antes da memória se ter desvanecido, a explicitar exactamente os seus desejos em fim de vida. Mas esses documentos são escassos, e a família não sabe como responder também... "What would you do, doctor, if it were your mother?"

Mas, para aliviar estes momentos angustiantes, sempre nos vão aparecendo casos menos complicados. Aqueles utentes que vêem e queixam-se das suas maleitas sem se queixar verdadeiramente, sabendo à partida que o melhor remédio é aprender a viver com esta ou aquela nova incapacidade. Como lá dizia hoje um senhor de 95 anos, com um sorriso nos lábios a contar-nos como a sua rotina matinal, antigamente feita a correr, agora lhe ocupa quase toda uma manhã: "Guess I'll just have to wait 'till Heaven. Then I'll be 21 again!"

No meio de tanto, pergunto-me constantemente - o que estamos a fazer? Não conseguimos curar o incurável, não conseguimos recapacitar os incapacitados.... Será que estamos a fazer algo verdadeiramente útil? Os utentes garantem-nos que sim "Thank you so much, doctor.... I feel much better just talking to you...!". Mas eu tenho as minhas dúvidas. Será que estas pessoas precisam mesmo de um médico?... ou simplesmente de um amigo? Não estou a falar de toda a gente, está certo... há aqueles que nós conseguimos ajudar, de facto. Mas são raros.

Quanto mais vejo, mais tenho a certeza: Ninguém quer chegar a velho.... mas ao mesmo tempo, quem quer morrer novo?


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