Não quero estagnar. Nunca quis, e não ía ser agora que me iria render à estagnação, por mais confortável que ela seja.
Confesso que desde o exame, o máximo que fiz foi pegar nas folhas soltas e nos dossiers e artigos espalhados, empilhá-los numa prateleira, virar costas e pensar "um dia trato de vos organizar". Nunca mais li nada, nunca mais sequer quis ouvir falar de nada que tivesse a ver com matéria. No computador continuam os 1001 documentos desorganizados espalhados pelo desktop e pelas pastas "downloads" e "documents", e ainda não tive coragem de abrir estas pastas... aliás, nem tenho vindo ao computador sequer, a não ser para brincar com o facebook ou entreter-me a navegar por páginas na net sem interesse absolutamente nenhum.
Confortável? Sim. Rentável? Não.
Pois tem que acabar. Tenho de organizar o computador, tenho de fazer frente à maldita estante e ao escritório, e tenho de recomeçar a ler coisas úteis. Estagnar é que não.
A vida depois do exame
Nesting
Traduzido para português, seria "aninhar" (sim, tal como os pássaros fazem o ninho de novo para receber os seus ovinhos). Aparentemente, é muito frequente quando se passa pelas últimas semanas/dias (?) da gravidez. A natureza trata de combater a moleza inerente a este período da vida, fazendo com que inventemos trabalho onde, se calhar, ele não existe. E isso dá connosco (e com os nossos respecivos) em loucos.
Passo a explicar:
Entro na cozinha, e penso que devia limpar os armários todos por dentro, e já que estou a pensar fazer isso, porque não reorganizar os armários todos?!
Entro no quarto, e penso que se calhar não era má ideia tirar as coisas todas debaixo da cama, e limpar esse chão que nem uma doida, e já agora pôr o colchão para lavar numa lavandaria algures.
Entro na despensa, e apetece-me chorar tal não é a desorganização que para lá vai (e que até agora nunca me tinha feito confusão nenhuma).
Aspiro a casa, e dou comigo a desviar a mobília toda para chegar a sítios que nunca me passaram pela cabeça antes (isto é crítico, chego mesmo a tentar desviar o frigorífico....que, já agora, cheguei à conclusão que não consigo).
Vou ao supermercado, e desperdiço minutos (horas?) preciosos dos meus últimos tempos de pura liberdade a examinar com toda a minúcia os produtos de limpeza (chego a ler as letras pequenas....), e de repente dou com o carro das compras cheio de químicos que nunca antes entraram cá em casa.
Está a dar comigo em doida! Por um lado, são pensamentos intrusivos, verdadeiras obsessões (será que estou a desenvolver para aqui uma POC?!). Por outro lado, porque assim que me ponho a executar a tarefa, percebo que sou tola e que estou demasiado cansada para a conseguir terminar.... Já para não falar da barreira física que é a barriga, e que me dificulta tremendamente pequenos gestos, como sejam o ajoelhar, o flectir o tronco sobre as pernas, o subir à cadeira para alcançar qualquer objecto "lá em cima", o permanecer de pé durante mais de meia hora, etc.
E, de repente, dou por mim a encarar a sequência de 5 estadios que vêm descritos nos manuais que ainda há uns dias tentava decorar para acabar a especialidade:
1) Negação - "Eu VOU CONSEGUIR limpar isto tudo na próxima meia hora!"
2) Raiva - "Já passaram 25 minutos, e ainda só consegui limpar este bocadinho, e estou com falta de ar, e dói-me os calcanhares, e tenho a nítida sensação que preciso de me sentar um bocadinho para me recompor?! RAIOS E CORISCOS, sou uma incompetente!!"
3) Negociação - "Bom, ok, vou-me só sentar 5 minutinhos, e depois venho cá acabar esta tarefa, nem que para isso demore o resto da tarde.... só 5 minutinhos de descanso, e depois regresso ao trabalho. É isso."
4) Depressão - "Já passaram 5 minutos?! BUAH! (choro inconsolável, estilo birra de criança (mesmo). Sim, não tenho vergonha de admitir, porque posso sempre atribuir isto ao meu estado hormonal actual) Mas eu não me quero levantar! Eu não quero acabar a tarefa! Eu quero dormir! Sniff!
5) Aceitação - "Pronto, não sou capaz. Não consigo. Cara-meatde, queres vir aqui ajudar-me a pôr tudo no sítio outra vez?! Sim, eu sei que não limpei, mas não consigo agora, e a casa não pode ficar neste estado ainda mais desarrumado do que estava inicialmente. Eu não presto, e vou ser uma péssima mãe. Mas por favor, ajuda-me agora.... entre os dois, conseguimos por tudo no sítio mais rapidamente...."
E, desta maneira, chego à conclusão que estou a passar pelas fases do luto. Sou, actualmente "rapariga, jovem, solteira e despreocupada". Dentro em breve, serei "Mãe". E, desta maneira, o meu sub-consciente, apercebendo-se desta transição que está para breve, leva-me a este estado de loucura.
Estou a cair em mim.
"Mãe".
.... E de repente sinto uma alegria grande. O meu sub-consciente pode estar em fase maníaca e de luto em simultâneo perante a situação. Mas o meu consciente está bem mais contente, e não consigo deixar de sorrir ao pensar nos tempos que se aproximam, por mais louca que isso me esteja a deixar.
O próximo passo
A vida é uma aventura feita de momentos transitórios, que se vão transformando em meras recordações. Este blog tem vindo a acompanhar esses momentos, inicialmente de forma muito assídua, depois nem tanto, e por várias vezes pensei em terminá-lo dada a falta de disponibilidade imposta pelo trabalho durante a especialidade e pela pura procrastinação que me assombra desde há uns anos.
Pois bem, o passo da especialidade foi dado. Assim, de um momento para o outro (que implicou 3 exames ao longo dum período de 11 dias) tornei-me especialista. E, de repente, a vida dá uma volta. Parece que não, mas dá. De repente, vejo-me assombrada pela perspectiva de ter 1900 utentes destinados só a mim, e a necessidade de gerir as suas necessidades. Medo. Mas adiante.
No entanto, parece que a vida não dá volta nenhuma porque no dia a seguir a ser especialista voltei a trabalhar na mesma unidade onde trabalhei nos últimos 4 anos, com os mesmos utentes. E parece que não também porque entretanto entrei de férias.
E a razão maior para parecer que não prende-se com o próximo passo da minha vida. O próximo passo, por mais especialista que seja actualmente, não é um passo laboral. É um passo familiar. É acolher o novo membro da família que está para chegar em breve, e isso sobrepõe-se a qualquer responsabilidade laboral de momento.
Desta maneira, a minha vida de momento anda muito atarefada, apesar de estar de férias. A maioria das tarefas têm a ver com fazer malas para ir para a maternidade, decidir marcas de fraldas a usar, montar um mini-quarto mega-fofo em tons laranja e verde cá em casa, organizar as muitas micro-roupinhas que fui angariando ao longo dos últimos meses, e angariar mais algumas (porque, enfim, tenho de mimar a minha filhota que tem sido tão desprezada ultimamente).
No entanto, uma minoria do tempo de férias está a servir para descansar. Nessa minoria inclui-se o tempo dispendido com o blog. Mais uma vez pensei em terminar o blog (como tantas outras vezes ao longo dos últimos meses). Mas desta vez, pensei em recomeçar um novo blog, todo ele virado para a conciliação da vida de recém-especialista com a vida e recém-mamã. Contudo, há algo de mágico que me prende ao Carpe Diem. Este blog tem vindo a ver-me crescer, se bem que ultimamente de longe a longe.
Deste modo, mais uma vez, optei por manter o velho blog a funcionar. Mas espero que agora tenha tempo/temas para o actualizar de forma mais assídua do que tem sido nos últimos anos. Até porque a vida é uma aventura feita de momentos transitórios. E os momentos que vão transitar no futuro próximo são dignos de registo.
:)