Nada para aquecer o coração como saír dum banco de pediatria durante uns minutos, para lanchar e abstrair-me um bocadinho dos choros das crianças...
... sentar-me sozinha num canto do bar, a apreciar o meu cafézito, e ver entrar um pai de 82 anos, e o seu respectivo filho.
O filho dirigiu-se ao balcão, naturalmente para pedir as coisas para os dois.
O pai veio sentar-se na mesa ao meu lado...
... e começa a cantar.
Um cantar baixinho, quase sussurrado, mas não o suficiente para que não conseguisse ouvi-lo.
Inicialmente, tive alguma dificuldade, mas o senhor lá topou que eu estava de ouvido nele, e cantou ligeiramente mais alto.
E foi então que percebi que ele estava a cantar, num italiano perfeito, o "O Sole Mio". Os nossos olhares cruzaram-se, e ele elevou um bocadinho mais a voz... e a voz dele era perfeita. Tinha o timbre certo, as vibrações todas a que tinha direito, e ainda aquele toque mágico que é olhar para um velhote já muito velhote, mas com uma voz capaz de nos transportar para outro mundo.
Eu fiquei ali, sozinha, a sorrir enquanto ouvia este senhor cantar, ali num canto daquele bar hospitalar, uma canção linda e tão esplendorosamente cantada.
Travei conversa com o senhor quando ele se calou abruptamente, por os nossos olhares se terem cruzado uns instantes e, talvez, se tenha sentido incomodado. Quando viu que estava realmente interessada nele e na música que ele cantava, ele decidiu, ali, em pleno bar, abrir os seus pulmões, e fornecer, a todos nós ali presentes, uns segundos dum momento de pura magia, desta vez cantado sem desviar o olhar de todos, sem vergonhas, e simplesmente sentido.
O filho veio muito atrapalhado, a pedir desculpas...
... mas eu só tive coragem de agradecer ao senhor por me ter devolvido o espírito para poder continuar a enfrentar os choros das crianças que aguardavam a sua vez lá no banco de pediatria.
... Há personagens escondidas pelo mundo capazes de nos surpreender.... :)