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Por onde começar?

É estranho usar a palavra "começar" neste contexto. Isto porque já comecei há muito tempo atrás. Atrevo-me mesmo a dizer há 8-9 anos... Ora, algo que teve início há 8-9 anos não "começa" agora. No entanto, não consigo evitar a pergunta.


Foi desde há um mês que comecei a sentir o verdadeiro peso da Medicina Geral e Familiar. É um mundo. É, literalmente, tudo. Peguemos no meu dia de hoje - hoje estive a fazer a consulta de intersubstituição da USF, a ver as pessoas que precisavam de consulta no próprio dia por motivos, alegadamente, urgentes. Pois hoje vi vários doentes - é sexta feira, e a tarde até esteve agradável, de modo que a malta decidiu que ir à praia era bem melhor que ir aboborar para uma sala de espera no centro de saúde, e portanto não posso dizer que tenha sido um dia muito atarefado. Mas é o suficiente para ilustrar um bocadinho aquilo que se passa.

Comecei o dia com algo que já não via desde o 6º ano, e nunca esperei encontrar no centro de saúde - uma hérnia umbilical a encarcerar, se não estivesse já encarcerada. Entra-me pelo gabinete uma senhora agarrada à barriga de tal forma que foi inevitável pensar "aha! uma apendicite!". Sim, porque as apendicites vêem-se no centro de saúde. Habitualmente, as hérnias encarceradas não se vêem. Isto porque a dor é de tal forma forte desde o início que a pessoa inevitavelmente recorre ao hospital. Até porque aparecem bolas roxas na barriga que assustam qualquer um. Mas não neste caso. Trazia uma massa do tamanho de uma bola de ténis a ganhar uma cor arroxeada, e a crescer ali bem perto do umbigo, evidente assim que pedi para puxar a camisola para cima. Pousei a mão por cima, e o "Aai!" foi de tal forma sofrido que ainda tentei reduzir o raio da hérnia, mas achei melhor não insistir. Escrevi uma cartinha, e enviei prontamente para o hospital. É provável que a esta hora já tenha sido operada.

Logo a seguir, aparece-me uma situação no extremo oposto. Chamo por uma Carla, e entra-me um homem no consultório.... "er...". Afinal a Carla tinha sido operada, ele apenas queria uma baixa para a Carla. E saí do mundo da medicina por uns minutos e entrei no mundo da burocracia, a baixa de internamento, a prorrogação no ambulatório, a doença natural e a decisão se pode ou não saír de casa.

Entretanto, a gargantite habitual que não podia deixar de aparecer num dia de intersubstituição.

A meio da manhã, fui relembrar os meus dotes de reumatologia, e lá estive entretida a fazer uma infiltração a uma bursite anserina que não tinha passado com o naproxeno que tinha prescrito 2 semanas antes.

Já mais para o fim, a otite da garota de 3 anos, também típica de um dia de intersubstituição.

Chamei também um casalinho jovem, diga-se que bastante indignado, com pruridos em partes chatas - aparentemente ficaram contentes quando lhes diagnostiquei uma candidíase, porque "no outro centro de saúde disseram-nos que era um fungo, dra! Já viu?! UM FUNGO!!". Ai ai....

Algures no meio dos doentes, convidaram-me a ir colocar um DIU, o que me deixou francamente contente. Há qualquer coisa na colocação dos DIUs que me deixa sempre satisfeita. Foi um bónus ali a meio da manhã, que me deixou feliz.

E a cereja no topo do bolo foi a senhora que "já que tinha de passar ali para ir ao pingo doce, decidi vir ao médico... é que tenho esta dor aqui há umas semanas, e está-me a incomodar".


Enfim, parece tudo simples. E de facto não foi uma manhã complicada. Mas cada doente que entra traz qualquer coisa que pode ser saída de qualquer parte do livro. Não há propriamente uma norma. Não é "mais do mesmo". Felizmente não é "mais do mesmo". Mas ao mesmo tempo ....


... como raio é que eu estudo para o exame do segundo ano?! Bem sei que anda está longe, mas quando nos podem perguntar "tudo", como raio organizar o estudo?!

Por onde começar?

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3 comments:

Sandra said...

costuumas sair daí a k horas?

Sandra said...

por acaso teria sido giro receber no hospital uma carta tua! =D

Ana said...

tarde ;) E teria sido engraçado teres depois respondido com uma carta hospitalar! **