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O Médico como "princípio activo"

A dona A. entra no consultório.


"Boa tarde, dona A. Como tem passado?"
"Eh, sô dótoura, aqui os meus ossos..."
"Pois é, dona A. E hoje é mesmo sobre os seus ossos que eu queria falar... mas sabe, também queria saber mais sobre si. Importa-se de fazer hoje uma consulta mais comprida para falarmos um bocadinho?"

E assim se deu início à minha primeiríssima avaliação familiar. O início foi um bocado estranho (porque raio está ela a perguntar-me estas coisas - devia a dona A. pensar para si, enquanto eu pensava para mim - que raio estou eu a fazer?!), depois passámos à parte do genograma (3 casamentos e duas famílias reconstruídas depois, lá consegui atinar com a família da dona A.), entretanto passámos às doenças, aos acontecimentos de vida, a tudo isso.... e quando dou por mim, a desconfiança inicial da dona A. converte-se em lágrimas, a relutância em responder converte-se numa verborreia imparável, e lá estava a dona A. a despejar-me todos os pormenores da vida dela...

2 horas depois:
"Pronto, dona A... penso que chegámos ao fim. Há ainda mais alguma coisa que me queria contar ou perguntar? alguma dúvida?"
"Não, sô dótoura, acho que já desabafei tudo..."
"Está bem, dona A. Então não se esqueça de fazer os medicamentos tal como combinámos. E já sabe, pode ficar à espera da consulta de reumatologia. ... E já agora, dona A... obrigado por me ter contado a sua história."
"Ó, sô dótoura... "

Levanto-me, estendo a mão para acabar a consulta com o tradicional "passou-bem", mas diz a dona A. :

"Posso dar-lhe antes dois beijinhos? É que hoje vou daqui tão aliviada... Fez-me tão bem ter vindo para falar consigo..."

:)


Fiquei fã da relação médico-doente, e já acreditava, mas passo a ser uma crente inflexível, no médico como medicamento.

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1 comments:

sofia said...

Sabes, no meu estágio de Centro de Saúde este ano também fiz uma avaliação familiar de uma doente, tive um bom tempo com ela, a fazer o genograma, a linha de Medalie e essas coisas todas e no final ela disse-me que estava feliz e simultaneamente perplexa porque ao fazer aquilo tinha compreendido muitas coisas da sua vida :)

Parece que a avaliação familiar, por si só, faz bem