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Num banco de jardim


Estava sentada não sabia há já quanto tempo. Sentara-se inicialmente apenas para descansar um pouco, apreciar a paixagem durante uns minutos, mas foi-se deixando ficar. Por alguma razão que não conseguia especificar, aquele banco naquele jardim invocou uma recordação, que levou a outra, que levou a outra, e por aí fora. Deixou-se ficar no banco, sentada, aparentemente sem fazer nada. Os que por ela passavam pensariam certamente que ela estava ali apenas há uns minutos - ninguém suspeitaria que já se encontrava ali sentada há horas. Curioso como aos poucos as recordações dissiparam-se, deixando apenas uns sentimentos soltos e dispersos. Já não sabia no que pensava, no que recordava, mas saboreava aqueles sentimentos invocados, fragmentos de pequenos pensamentos que não chegavam a tornar-se conscientes.

Naquele momento, os seus olhos vidrados fingiam olhar para uma nuvem, lá longe no horizonte. Na verdade, a nuvem aparecia-lhe desfocada, e ela estava longe. Longe daquele banco, longe daquele jardim, longe da realidade da qual inconscientemente tentava escapar. Estava ali, rodeada de estranhos que íam passando no seu corre-corre habitual, sozinha com os seus pensamentos inacabados.

A frustração que diariamente ocultava vinha agora ao de cima. Afinal, estes estranhos, para ela invisíveis, pouco ou nada tentariam decifrar, e ela podia permitir-se estes momentos de liberdade, sentada neste banco de jardim. Afinal, para eles também ela era invisível. Não precisava de disfarçar, podia ser ela mesma, sem a preocupação da avaliação constante dos outros.

E as lágrimas contidas há tanto tempo acabaram por caír. Nem ela sabia bem o porquê. Nunca saberia o que as tinha feito caír, mas lembrar-se-ía para sempre do rasto salgado que tinham deixado na sua pele. Agora os estranhos olhavam para ela, tentavam disfarçar. Mas nenhum parou. Baixou a face, ocultando olhos inchados, e novamente os estranhos tornaram-se invisíveis. Deixou-se estar, saboreando amarguras que até ali desconhecia.

Não sabia quanto tempo tinha permanecido naquele banco de jardim. Mas o sol estava já a pôr-se, e o calor da tarde já se tinha dissipado. "Está frio", foi o primeiro pensamento concreto que lhe atravessou a mente, depois daquele turbilhão emocional. Ao longe, avistou a noite que estava prestes a chegar. "Faz-se tarde", foi o segundo pensamento. Levantou-se, e reparou na estranha leveza que sentiu ao fazê-lo, leveza essa que já não sentia há tempos.

Começou a caminhar, retomando o trajecto há muito interrompido. Vestiu uma vez mais a máscara que se acostumara a usar para iludir os outros, voltando à sua habitual aparência feliz e despreocupada. Nunca ninguém saberia deste seu momento naquele banco de jardim, de como a tinha transformado, das marcas que velhos sentimentos recalcados deixaram agora ao serem invocados, que nunca se apagariam... Ninguém desconfiaria que a pessoa que se levantara há momentos daquele banco não seria, nunca mais, a mesma pessoa que se tinha lá sentado horas antes.

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1 comments:

sofia said...

A angústia, a dúvida, o tumulto de um futuro por percorrer despertam em nós esta vontade de utilizar as palavras para descrever a simplicidade e a importância dos momentos.

O simbolismo das pequenas coisas ganha uma nova dimensão e os bancos de jardim passam a ser portas abertas para a redescoberta, para a tranquilidade e para reformulação.

A criatividade flui da insatisfação, da recusa de ser passivo e igual a todos.

Crescer é sentar-se sozinho naquele banco de jardim e chorar.