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O primeiro dia do resto da minha vida

Hoje foi o primeiro dia do resto da minha vida. Um dia diferente... O dia em que me senti verdadeiramente médica pela primeira vez.

O despertador toca às 6:50... Um resmungo da minha parte, um acto de violência praticado contra o despertador... e uns minutos mais de sono. Finalmente decido levantar-me, apercebo-me de quão atrasada estou, visto-me à pressa, como algo a correr, e saio disparada pela porta fora. Nos transportes vou a rever alguns apontamentos sobre a consulta em clínica geral. Chegada ao centro de saúde, preparo-me para mais um dia, igual a muitos outros que já passaram. Mas foi então que ocorreu o primeiro sinal de que hoje seria um dia diferente - em vez de ser eu a cumprimentar (meio envergonhada) o segurança (como faço por hábito, muitas vezes sem ouvir resposta), desta vez foi ele a cumprimentar-me primeiro. E não foi um simples "bom dia!". Foi um "Bom dia, s'otôra!" O espanto fez com que o meu "Bom dia" habitual saísse ainda mais envergonhado que nunca...

Subi apressadamente as escadas (afinal, já estava uns 3 minutinhos atrasada e ainda faltava ir vestir a bata... ou se calhar estava apenas a fugir do segurança...), quando me cruzo com o meu tutor - "Queres ir verificar um óbito?" pergunta ele, baixinho, para ver se a senhora que estava um pouco atrás, vestida de preto (a esposa, presumi), não ouvia. E não ouviu. Lá fomos nós, Estoril fora, à procura da casa. Durante a viagem, o meu tutor conta-me como este é apenas o segundo óbito que ele certifica na sua vida, pois hoje em dia todos morrem no hospital. "Que pontaria! E logo no meu estágio..." penso eu.

Feito o que havia a fazer, voltamos ao centro de saúde, para começar-mos (MUITO atrasados) as consultas. Entre queixas, sintomas, diagnósticos e medicamentos, lá toca o telefone mais uma vez... e qual o meu espanto quando o meu tutor se vira para mim e diz-me "É para ti."... Para MIM??? Mas... mas... mas como? QUEM é que me telefona para o centro de saúde??? "estou?" digo eu para o telefone. E do outro lado responde-me uma voz feminina, de um laboratório de medicamentos. Ainda tão cedo na minha carreira, e já estou a ser comprada pelos laboratórios. É indecente. Entre perguntas e mais perguntas, ela lá se decide a verificar que tipo de "doutora" era eu - uma interna do complementar? uma interna do ano comum?... "Não, não... eu ainda estou no 6º ano do curso de medicina!" respondo eu. Acho que a dita senhora ficou mais espantada com esta informação do que eu com o telefonema dela.

As consultas prolongara-se pela hora do almoço, e eram já duas da tarde quando finalmente disse "adeus, e as melhoras!" à minha última doente.

Tirei a bata, guardei o estetoscópio, desci as escadas e antes de sair, lá veio o segurança com um "até amanhã, s'otôra!". Mas desta vez eu estava preparada. Desta vez, lancei-lhe um sorriso de felicidade, e disse também - "até amanhã!".

Afinal, é isto que vai ser o futuro! :)

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6 comments:

jc said...

Olá Senhora Doutora! Ehehe... Ao menos tu és praticamente doutora e a sério! Ora imagina um Segurança a dizer "Bom Dia Doutora" a mim!!! Todos os dias!!! E também diz quando me vou embora!!! Claro que tive que o educar, mas parece que são políticas da empresa! Sure... que mania que as pessoas têm que neste país é tudo "doutor". Ao menos tu és, por isso deixem que te chamem a coisa certa! :P
Depois de ler o teu post e de ver a tua alegria, o curso de Medicina até parece giro! Diverte-te rapariga e boa sorte!

dc said...

What an incredible feeling of accomplishment, isn't it?!
Odeio que me chamem doutora também... Ao menos que me paguem o doutoramento! loool!

Depois quando tiveres histórias giras de extracção de objectos estranhos espero que as partilhes!! lol

_cinderella_17 said...

É mesmo estranho não é? Parece tanto e tão pouco... Sonhámos tanto com este dia mas não nos sentimos preparadas para ele: o dia em que seremos mesmo Médicas! Talvez seja questão de hábito. Talvez seja só uma questão de titulo, porque a vontade de ajudar os outros esteve sempre lá...

Beijinhos à minha Dra gémea!

Ana said...

Laranjinha:

Que tal tirar clips desfeitos já absorvidos pela mucosa gástrica das entranhas mais entranhadas que um homem pode ter no abdómen? Às 2 da manhã? Hein? ou então, já n me lembro o que era, mas estava na narina de um gaiato de 2 anos... mas n me consigo lembrar o que era. :D Mas já começam a existir estas histórias!

Cinderella:

Só mesmo 2 palavrinhas: podes crer!

misswoodhouse said...

Olá garota!Quando nos primeiros dias d estágio cumprimentava os seguranças de manhã e qdo m ia embora recebia akele olhar de espanto como se fosse uma anomalia ser educada.Agora já se habituaram :) Os delegados de info médica continuam a olhar pa mim como se fosse um ser alienígena.Mas pior q os srs delegados só mm uma doente que olha para mim dps d eu fazer uma pergunta à tutora e se sai com "Eles são tão giros não são?", olhando-me com ar embevecido...Agora já sei como se sentem os bichinhos no zoo!

Ah!Uma notinha para esclarecimento da malta:
Todos os Licenciados têm direito ao tratamento de Dr. Os Doutorados são Professor Doutor, i.e. os nossos professores que não são doutorados (assistentes e what not) devem ser tratados por Dr e não Professor.Logo, se tiveram a trabalheira de se licenciar são doutores sim sra!:D

E fico mto contente de saber que isto de ser médica te agrada!:p

Sandra said...

Se sou eu a passar pelo segurança: "o que é que anda aqui a fazer?"

Se passo pelos tipos da propaganda...nem me dirigem a palavra (e até posso andar de batinha...)

Se passo por um doente:" importa-se de chamar o dr.?"

Portanto para ti eeyore: WOW! ;)