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Um caso no S.U. de pediatria

"Não podes fazer grandes coisas mas podes fazer coisas pequenas com grande Amor."


Ontem, no banco de pediatria, entrou uma menina de 5 anos. Tinha uma espinha entalada na garganta. Estava cheia de medo, e recusava-se. Era isso que ela fazia - recusava-se. Recusava-se a entrar para o local onde estavam os consultórios médicos, recusava-se a entrar para a sala de triagem, recusava-se a entrar para a sala de tratamentos, recusava-se a abrir a boca, recusava-se a parar de gritar, recusava-se a escutar.... Por outras palavras, entre tanta recusa, estava uma menina demasiado assustada para ser racional. A médica que a assistiu, a ver acumular as fichas que não paravam de entrar (o banco estava caótico, com um tempo de espera médio de 2 horas....), perdeu a paciência, e mandou a menina ao otorrino. A mãe da menina, ao descobrir que o otorrino era noutro hospital, chateou-se ainda mais com a menina, e começou a gritar com ela ainda mais alto, para ver se ela percebia bem que, por culpa do bacalhau com natas que ela tinha comido ao almoço, a mãe estava a faltar a tantas horas de emprego... (como se já não fosse suficiente ter uma espinha entalada na garganta, era também necessário uma dose de medo aterrador aliado a um sentimento de culpa). A médica passou o papelito para a menina ir ao otorrino, a mãe saíu chateada do consultório, a menina, para variar, recusava-se dar um passo que fosse em direcção ao otorrino.

Enfim, uma situação daquelas que acontecem tantas vezes, mas esta foi direrente.

Tendo assistido a toda esta cena, não queria deixar a menina ir embora naquele estado. Então, ali no meio do corredor, com crianças a entrar, pais a sair, médicos a chamar, eu travei uma conversa com a menina... Em vez de começar aos berros com ela, optei por usar o meu tom de voz normal, coisa que tantos outros se esqueceram de fazer. A princípio, para variar, ela recusou-se a falar comigo... recusou-se a mostrar-me a garganta... recusou-se a parar de chorar e gemer. Mas eu fui mais persistente do que ela, continuei a falar com ela, respondendo por ela às perguntas que eu própria colocava, até que ela começou a reagir. Ao menos, parou de chorar, de gemer, começou a prestar atenção.

Depois, começou a fase das mentiras. Dizia que já não tinha espinha, que nunca tivera espinha, que tinha inventado tudo aquilo porque não queria estar na escola. Nesta altura, a mãe da pobre criança também começou a ver que a gritar não ía a lado nenhum, e também ela começou a falar com a filha como se ela fosse gente, e não como se ela fosse um enfardo. Mas, em conversa, a menina lá se desmentiu, e admitiu que todas as mentiras que acabara de dizer tinha sido por ela estar convicta que ía doer. O que quer que fosse que o médico fosse fazer, ía doer. Não sabia o que era, sabia apenas que seria doloroso. E ela não queria.

Eu expliquei-lhe que não devia doer tanto assim - se não doeu ao entrar, não devia doer ao sair. Eram mais assustadores os tubos que lhe íam pôr na garganta do que propriamente a dor do processo, que, julgava eu, não ser muita. Aí veio a pergunta fatal - "Já alguma vez tiraste uma espinha?" - eu respondi honestamente - nunca tinha passado por aquilo que ela estava a passar. Não sabia ao certo como seria. Mas imaginava que não ía ser assim tão mau. E havia um lado bom da questão - no fim, para desinflamar, os remédios não seriam xaropes que sabiam mal, comprimidos que custavam a engolir, ou essas coisas típicas. Não, o tratamento passava por um gelado. À escolha dela. Sem qualquer restrição.

Com estes 15 minutos de conversa, ali no corredor, consegui fazer com que aquela menina assustada de 5 anos, que de início não parava de gritar e chorar e recusar-se, saísse do serviço de urgência do hospital com um sorriso (embora pequenino) nos lábios. De mão dada à mãe, lá foi ela, corajosamente, enfrentar o otorrino... Mas desta vez a colaborar.

Não é asim tão especial quanto isso - acho que ninguém se apercebeu do que eu tinha feito (excepto a mãe, que me agradeceu no fim)... médicos, enfermeiros, pais... todos eles num grande alvoroço para cá e para lá, não devem ter dado conta. E também, diga-se, não foi nada de extraordinário. Mas senti-me bem no fim. E, por isso, valeu a pena. :)

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4 comments:

caxemire said...

Eu sempre disse que quem ganha é sempre o mais teimoso...

misswoodhouse said...

Cá está a gaja que eu conheço!!!Mimosa e melosa!:p

dc said...

Small details make all the difference... :)

Sandra said...

desc so comentar agr, mas nao sei pk isto nao tava a dar...é alergia à minha pessoa ...só pode..

admiro-m, eu nunca pensei que a eeyore k conheço pudesse fazer tal coisa. Algo nao bate certo! O que é que fizeste à verdadeira Eeyore? Trá-la d volta!! preciso de alguem com alminha ruim para discutir!!
;)

(sao momentos como estes que nos apercebemos que a nossa presença faz a diferença! :D)