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Hoje contaram-me uma historia...

Hoje contaram-me uma história... Mas foi uma história diferente. Primeiro, não começou com o habitual "Era uma vez...". Não, a história de hoje começou de uma maneira bem mais médica. Começou com um "Olá, J, entra! Então, como tens passado?"

J era um menino, igual a tantos outros meninos de 12 anos. Ou seria?

J entrou para dentro do consultório. Entrou sozinho, não vinha acompanhado por pais / avós / tios. Não olhava ninguém nos olhos. Respondia monossilabicamente às perguntas que lhe eram colocadas, quase que a medo, sempre a olhar para os dedos que estavam irrequietos em cima da mesa, num tom de voz apenas ligeiramente superior a um sussurro. J vinha vestido com roupa já gasta, e parecia não saber o que era sorrir. Das raras vezes que desviou o olhar para o tecto (nunca para os olhos de outra pessoa), notava-se nos olhos a falta do brilho especial que as crianças conseguem manter no olhar.

"Então, e a escola, como tem corrido?" Normal, responde J. "Já conseguiste subir as negativas?" Não, responde J. "Quantas tens?" Oito, responde J. A falta de interesse notava-se em cada uma das respostas... Para quê se esforçar na escola, quando a vida não fazia sentido?

Pois é, é que a vida de J não fazia sentido. J não conhecia o pai. A mãe tinha sido toxicodependente e HIV+, e acabara por morrer. J vivia agora com o avô... Mas um avô que não tinha os medicamentos em casa, por medo que fizessem mal a sabe-se lá o quê... Então, J apenas recebia medicamentos (para tratar umas verrugas que tinha nas mãos) na escola, porque uma funcionária lhos dáva. J tinha umas verrugas nas mãos... Não é de estranhar - também J é HIV+, não apenas portador do vírus, mas doente. J tem SIDA, tal como a mãe tinha... A mãe, que acabou por morrer, há tão pouco tempo... Mas J recusa-se a falar sobre isso. Nem monossilabicamente.

A consulta chegou ao fim. J levantou-se, não olhou ninguém nos olhos, e saíu do consultório, com nova receita na mão, tal como entrou - sem fazer barulho, sem o espalhafato típico dos miúdos de 12 anos. Porque J, afinal, não era um menino de 12 anos qualquer.

A história que me contaram hoje ainda não chegou ao fim. Mas duvido que tenha um final feliz...


(Desculpem o post um tanto depressivo. Simplesmente este menino marcou-me, hoje, no meio de tantos meninos que vi... Adorei este primeiro contacto com a psiquiatria infantil - uma área linda dentro da medicina! :) )

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1 comments:

Sandra said...

é nestes momentos em que penso porque raio ando paki a queixar-me da minha boa vida...