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O Efeito da Bata Branca?

Ontem cheguei demasiado cedo ao hospital. Usar transportes públicos tem destas coisas - há dias em que se tem sorte, e apanha-se todos seguidos uns aos outros, poupando tempo de viagem - o que faz com que se chegue demasiado cedo aos destinos. Ontem foi um desses dias.

Decidi sentar-me e continuar a ler o livrito de bolso que me tem acompanhado nas viagens - Et si c'etait vrai - aproveitando todos os minutinhos livres que tenho para treinar o francês aos poucos. Sentei-me nos únicos banquinhos que haviam, não propriamente uma "sala de espera", mas sim "três banquitos à saída do elevador". Ao fim de uns minutos, junta-se uma senhora, que decide sentar-se ao meu lado. E eu continuei a ler.

Tinha passado pouco tempo, quando a senhora mete conversa. Começa a contar-me do seu filho que é seguido pela doutora na consulta de pedopsiquiatria, por causa de problemas que há em casa. Depois começa a contar-me como ela própria também é seguida na psiquiatria, tem uma depressão. Fala-me de como é importante curar estas coisas antes que elas "se alastrem". Fala-me de tudo e mais alguma coisa... E eu ali, caladinha, apenas com uns "hum hum" de vez em quando, e outros "quebra-silêncios" básicos. Não lhe tinha pedido nada, não lhe tinha perguntado nada... e no entanto, ela sentiu necessidade de despejar todas aquelas amarguras cá para fora... e eu estava a jeito para servir de alvo.

A meio de toda a conversa, ela pergunta-me se eu estou ali por causa de mim ou por causa de um filho meu. Quem é que andava a ser seguido na psiquiatria? Eu esclareço que sou aluna de medicina, estou lá para assistir a consultas. Mal esta verdade sai cá para fora, a senhora retoma o silêncio depois de uma pausa em que se mostra surpreendida. Já não partilha mais as desgraças da sua vida, já não fala abertamente como estava a falar, já não partilha todo aquele peso sufocante que carrega de um lado para o outro todos os dias da sua vida. Porquê? Terá sido por já não me ver como uma pessoa igual a ela? Terá sido por achar que, sendo médica (ou um projecto de tal), teria mais coisas com que me preocupar do que com os seus pequenos problemas? Medo de ser interpretada com teorias psicológicas que não a definem?... O que é que o "Não... eu sou aluna de medicina" veio alterar na sua pessoa, para simplesmente quebrar assim a conversa?

E eu pergunto - até que ponto é que estas pessoas precisam de um psiquiatra? Se calhar, aquilo que lhes faz mesmo falta é um simples amigo, que se encontra em qualquer cantinho deste mundo, apenas para desabafar um pouco, e tornar a vida um pouco mais tolerável...

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4 comments:

anacruz said...

Mas é que podes ter a certeza!!
E por isso, por gostar mesmo de ouvir as pessoas e perceber o que isso pode transformar, que também reservo sempre essa surpresa de sermos médicas (quase, quase) para o fim...
Depois há algumas pessoas que precisam mesmo de psiquiatra/psicoterapia e aí não há volta a dar :(

Bjito e bom fds!

jc said...
This comment has been removed by the author.
jc said...

Eu acho que isso é porque as pessoas consideram os médicos seres superiores... eu tb tenho medo... sei lá que tipo de experiências me podem fazer quando sabem que eu tenho 1 problema?!?! Mais vale não falar mesmo! :P

Ana said...

:D

Oh ser inferior - não digais baboseiras!

:P