Hoje fiz uma gasimetria.
Fiquei encarregue de uma senhora que tinha cianose labial (o menor dos seus problemas), e na entrada de ontem do seu processo, a médica tinha recomendado a quem iria ver a doente hoje (eu, portanto) a fazer uma gasimetria. Perante a cianose, não hesitei. Ou talvez tenha hesitado um pouco, durante uns segundos.
Acontece que hoje foi dia de visita. Quando pensei em fazer-lhe a gasimetria, a imagem que me ficou da senhora durante a visita veio-me à mente. A técnica das análises sanguíneas tentava tirar-lhe sangue, e ela gritava, e pedia que lhe tirassem a agulha, e tentava recolher o braço, e continuava a gritar. Tal imagem faz qualquer pessoa pensar duas vezes em relação a fazer uma gasimetria, pois se tirar sangue custa, tirar sangue arterial custa ainda mais. Mas tinha de ser, e por isso enchi-me de coragem, e fui observar a senhora, preparada com o meu pequeno kit de gasimetrias. Afinal, cianose labial e última gasimetria feita há mais de 48 horas não podia ser.
Comecei a falar com ela, observei-a... e chegou o momento crítico.
Eu - "Vou ter de lhe fazer uma piquinha..."
Doente - "Ah, não faça! Já hoje fizeram..."
Eu - "Vá, tem de ser..."
Doente - "Mas eu não quero...!"
(...)
"Ok, isto vai precisar de mais um pouco de conversa", pensei eu. Até porque eu não queria imaginar a minha doentinha a tirar a mão no momento em que eu espetasse a agulha, e todos os estragos que daí pudessem resultar.
Sentei-me e falei com ela. Sobre a importância do pequeno exame, que compreendia, que eu também não gostava nada quando me faziam a mim (embora nunca me tenham feito nenhuma... mas conhecendo-me como me conheço, sei que não ía gostar), mas que a intenção era que ela melhorasse, etc etc etc.
Não sei bem como, mas consegui convencer a doente. Ela lá estendeu o braço. Antes de dar a piquinha avisei: "vá, uma piquinha... mas não fuja com o braço!"
Até eu me espantei. Acertei na artéria à primeira (não foram necessários segundos preciosos ali a procurar quase às cegas, apesar do pulso fraco!!) e a doente nem gemeu. Só me pediu, ao fim de uns segundos, para tirar a agulha. Mas não refilou quando eu disse "só mais um bocadinho" enquanto esperava que o vácuo da seringa puxasse sangue suficiente para a análise.
Fiquei feliz. E acho que a doente também. Eu porque tinha conseguido o meu objectivo, sem um único grito de dor. A doente porque teve ali alguém que lhe dedicou uns momentos antes de lhe fazer "uma maldade", explicando-lhe o porquê da maldade, e de um modo ou outro mostrando que compreendia o seu sofrimento.
... E fica mais um relato das pequeninas (muuuuuito pequeninas) diferenças que eu vou fazendo aqui e ali, ignoradas por todos, mas que a mim me sabem lindamente. :)
Hora da sesta
10 years ago
6 comments:
:) a sensação deve ser parecida com aquela que tenho quando agarro com força na mão dos doentinhos sempre que alguém lhes faz uma dessas "maldades" ou quando lhes faço festinhas e digo que vai correr tudo bem quando ficam com medo... é isso que faz tudo ter um significado. A verdade é que fazer a diferença só depende de nós. Fazer o dia dos outros um bocadinho mais feliz é uma alegria que ninguém nos pode tirar e que nos alimenta o coração de coragem para tudo o resto. Foi sempre assim que imaginei ser médica :) e tu vais ser óptima tenho a certeza.
O engraçado é que hoje tive de repetir-lhe a maldade. E vou aprendendo a lidar com a senhora, hoje já não foi preciso tanta conversa. Até fui premeada com um ou dois sorrisos, e com uma gargalhada (sim, uma GARGALHADA!) por causa de alguma piada tóina que me lembrei na altura para a pôr um bocadinho mais bem disposta. Mas hoje não consegui evitar o "Ai!" quando a piquei, ao contrário de ontem.
Aaaaaah, é bom ter doentinhas que nos lançam sorrisos e gargalhadas, apesar das nossas maldades... e apesar da sua cianose labial...!
:)
Sofia, obrigado! :)
Apesar de não te conhecer muito bem, pelo que vou lendo de ti também acho seguro poder fazer uma afirmação semelhante relativamente a ti.
:) a ana uma optima medica? nah...
vai ser A medica ;)
lol, silverdrop, se calhar não vai ser assim tanto! :)
Afinal, hoje quando tive de picar a senhora pela 3ª vez (3 dias consecutivos...), já levei com um "Estou zangada consigo!" amuado. Mas tinha de ser.... e ainda assim, a doetinha riu-se um pouco. No entanto, não consegui evitar os resmungos, desta vez....
o tempo ira provar que estou certa ;) nao é por acaso que tenho fama de vidente ;)
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